4 de fevereiro de 2008

Aquilo que os outros vêem (Críticas sobre a Cômoda)


“Gente de Teatro” para gente*
por Daniela Reis

Para quem é apreciador da arte teatral, o curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia apresenta o projeto “Gente de Teatro”, cuja proposta consiste em apresentações da produção do curso e de outros artistas da cidade. As apresentações são realizadas todas as sextas-feiras e sábados no final da tarde antecipadas por exposições, videodebates e leituras dramáticas, também com um momento para o intercâmbio e reflexão sobre a arte. O diferencial do projeto é que os espetáculos ganham espaço para temporada, revelando-se um grande incentivo para as produções locais, já que na cidade os espaços e iniciativas públicas no setor são insuficientes.A agenda de “Gente de Teatro” acompanha o calendário da universidade e, dessa forma, o evento segue até o fim de semana com a peça “A Cômoda”, retornando às atividades no mês de março. A peça em cartaz, cujo título na íntegra é “A Cômoda: como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação”, é apresentada pelo grupo Bando Grito e retrata o drama de todos os mortais que já passaram pela experiência da famosa “dor-de-cotovelo”. A temática do amor é retratada intencionalmente de maneira debochada, com todos os clichês desse sentimento inerente às relações humanas. Aliás, a irreverência é a marca deste grupo teatral composto por alunos e ex-alunos do curso.Com apenas um ator em cena, a peça circula entre os jogos possíveis de amor, drama e humor, fala dos paradoxos da paixão sem cair na obviedade, brinca com os clichês e põe em cena um amor debochado, engraçado chegando ao ridículo. De início, o texto é marcado por um tom sério tocando no drama de quem já passou pelas questões que envolvem uma relação a dois: cumplicidade, distanciamento, separação, indignação, ciúme, solidão. Mas vai ficando leve até atingir o cômico na medida em que ridiculariza a situação vivenciada pelo personagem. Quem é que nunca se pegou em situações esdrúxulas como as apresentadas na peça? Também, e talvez por isso, a identificação do público e a vontade do riso ficam evidentes. O grupo optou por recursos cênicos simples onde os signos teatrais são reforçados por todos os elementos que perpassam a cena. O cenário é composto unicamente por uma cômoda branca de cinco gavetas onde são retirados recordações e objetos compartilhados pelo casal: discos LP, livros, fita K7 e VHS, porta-retrato, fotografias, tranqueiras que representam tudo o que sobrou de 15 anos de uma relação. As cinco gavetas se desdobram, assim como o conflito interno do personagem. No chão foram usados cacos de azulejos, simbolizando os cacos emocionais na quebra de um relacionamento.A trilha sonora intensifica a dor passional do personagem valendo-se de versos como “você mentiu quando jurava para mim fidelidade / você feriu sentimentos que a ti eu dediquei” na versão cortante de Matogrosso & Mathias e outras saudosas músicas de Roberto Carlos. A peça também brinca com uma ótica erótica ressaltada pelo figurino, o personagem solitário se desnuda por meio de um avental de frente única, usa cueca vermelha e ainda contracena com uma colher de pau recheada de brigadeiro, efetuando maliciosas lambidas e provocando sentidos dúbios e risos na platéia. Na atuação de Getúlio Góis, o corpo é valorizado no processo interpretativo. O ator chega a interpretar três personagens em uma mesma cena e é por meio de um tônus muscular diferenciado que os personagens se apresentam na cena.Grande parte do texto foi escrita pelo diretor e também integrante do grupo Samuel Giacomelli, que utilizou recortes textuais e analogias apropriando-se de poemas próprios e de outras autorias para a construção de uma narrativa não linear. Apesar da brincadeira e alusões a uma dor cômica, a peça coloca questões presentes do conflito interno do ser humano: “Uma parte minha já não faz questão de ser / Uma outra ainda não apareceu/ Mas essa que se diz poeta está perdida entre a entrada e a saída / E sempre evita se encontrar”.Entre vários outros, o grande mérito da peça está justamente em saber apresentar de maneira leve, porém profunda, questões que perpassam o indivíduo e conseqüentemente parte do universo humano. Felicitações ao grupo pela brilhante atuação e pesquisa cênica. Congratulações também ao curso de Teatro pela iniciativa e estímulo à arte teatral. E ao público cabe prestigiar e aplaudir essa “Gente de Teatro”!

Um bumbum de fora nem in-cômoda!**
Por Emiliano Freitas

Ao telefone:(…)
– Vai rolar uma peça na UFU hoje, vamos comigo?
– Festa?– Peça!
– Ah, lá na cênicas?
– É, lá no bloco 3M.
– Como que chama?
– Cômoda.
– E tem gente pelada de novo?(…)

Ouvi três vezes a mesma pergunta, ao convidar três pessoas diferentes para ir ao teatro na Universidade Federal de Uberlândia nesse fim-de-semana. Quantos preconceitos com o teatro universitário! Tentei livrar minha mente do “não vi e já sei o que vai acontecer”, sem achar que toda peça ali tem bumbuns de fora, voz empostada, black-outs (ao som de uma voz sombria em off), corpos retorcendo e mais um monte de lugares-comuns acadêmicos.
E para o meu espanto, no solo Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas em uma separação (concorrente ao prêmio Bacante de maior nome de peça em 2008), tinha tudo isso com um toque de irreverência, já visto em performances do Bando Grito, o que acabou virando uma especialidade do grupo formado por alunos (e ex-alunos) do curso de Teatro da UFU. Mas o que essa peça tem que as outras universitárias-uberlandenses não têm? Uma pitada de ousadia. Resolveram fazer teatro com as próprias mãos, sem nenhum professor PHD dando pitacos sobre realismo pós-contemporâneo, nem leis de incentivo ou programas de extensão patrocinando cada passo. Quebraram a regra de montar os clássicos e partiram para uma dramaturgia própria, recheada de referências pop, misturando Oswaldo Montenegro, Fernanda Young, Jorge Furtado, Friends, King Kong e Orkut
, à trama da separação de um homem e a sua parceira.
Ao dividir os bens que ocupavam a mesma gaveta durante algum tempo, Getúlio Góes, encara um indie de calça xadrez e all-star branco, e mostra a fragilidade de mesmo sabendo o porquê de sua separação, finge que as respostas às suas perguntas não existem. O “isso é meu” e o “isso é seu”, é o resultado de uma escolha da parceira após um jantar, levando-o a infantilidades, como fazer cena e comer uma panela inteira de brigadeiro, lembrando o quanto a vida nos condiciona a ter uma terceira (e até uma quarta) mão, e o quanto às vezes essa própria terceira mão condiciona a sua repulsão.
No meio da divisão dos bens que estão dentro da tal cômoda, entre gracejos e caras e bocas, o ator tira uma fita K7 e um toca-fitas, dando início ao que poderia ser um dos momentos mais poéticos do solo. Ao acionar o play, o que se escuta é um bolero-sertanejo (seria do Teodoro & Sampaio ou Milionário & José Rico
?) quebrando o clima indie do início do espetáculo. O melodrama de um homem apaixonado que assume a posição de perdedor é interrompido por uma sessão de expressão corporal com uma nota de 100 reais, ao som de uma canção carioca antiga e triste, com o chiado do disco de vinil que ficou na gravação, como em qualquer outra peça universitária. E o momento homem perdedor é apagado, junto com a música do toca-fitas.
A diversão do espetáculo fica por conta de uma voz em off acompanhada em tempo integral por um black-out (seria preconceito achar que o black-out acompanhado de off seria um efeito usado quando não se sabe como realizar transições de cenas?). É divulgada então uma séria de pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Bando Grito, como quantas pessoas acham que os pintos das estátuas gregas eram pequenos, ou por quais personagens de desenhos animados os entrevistados sentiam mais tesão.
Em certas horas, a irreverência do grupo dá espaço a um didatismo cênico, reforçando em texto o que a platéia já viu em ação ou imagem, como na explicação na voz em off que o chão está desabando (quando na verdade o público deveria ter o prazer de ler o signo proposto pelo cenário coberto de pedaços de ladrilhos de cerâmica no início do espetáculo), ou quanto o ator explica com gracinhas seu contorcionismo cênico. Seria uma tentativa de serem compreendidos, o que nem sempre acontece em performances?
Após contar uma fábula, o ator encerra a peça perguntando então que escolha se deve tomar em determinadas circunstâncias, no caso a separação. Se fosse uma escolha teatral, eu diria que a de gritar em bando (mesmo que o resultado seja um monólogo) é corajosa.

19 pessoas na platéia sentiram tesão por um avental.

* Crítica publicada no Jornal Correio de Uberlândia em 25/01/2008. Disponivel no endereço: http://www.correiodeuberlandia.com.br/coluna/2008/01/NEHAC/54/nehac.html

**Crítica publicada na Revista Virtual de Teatro Bacante no endereço: http://www.bacante.com.br/revista/critica/comoda-como-dividir-uma-comoda-de-cinco-gavetas-em-uma-separacao

15 de janeiro de 2008



"Cômoda - Como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação" é o primeiro espetáculo do Bando que traz à cena uma sondagem nas regiões banais de uma separação, mostrando o amor romântico levado às últimas conseqüências, chegando assim ao ridículo humano.
O espetáculo é um solo que propõe a solidão daquele que foi deixado após uma separação e que ainda não sabe como lidar com isso. Passa por momentos de extrema melancolia, tristeza, afronta, auto-afirmação, ciúmes, violência, chegando enfim à lucidez e reflexão, tudo entremeado pelo ridículo do ser passional. O cenário reafirma essa solidão trazendo a cena apenas uma pequena cômoda branca de cinco gavetas, e um chão de cerâmica todo quebrado.

Ator: Getúlio Góis
Direção: Samuel Giacomelli

Poema em off de Fernanda Young

20 de dezembro de 2007

Manifesto Meu (Maria de Maria)

"Manifesto Meu" a respeito dos resultados da Lei Municipal de Incentivo a Cultura, divulgados no Diário Oficial de quinta-feira dia 13/12/2007.

Este Manifesto não se trata das dores de quem não teve um projeto aprovado, até porque não fui proponente, mas pretende ser um questionamento da realidade cultural de Uberlândia, da qual todos fazemos parte.


Começo por relatar o meu imenso descontentamento pelo modo como vem sendo tratada a cultura, especialmente teatral, em Uberlândia. As formas como são pensados os incentivos, o fomento, a produção, circulação e, o mais importante a meu ver, a manutenção dos bens culturais.
Há escassez de espaços para apresentar, locais inadequados para ensaiar sem a infra-estrutura necessária e inerente à linguagem cênica, como por exemplo, a guarda de objetos e adereços das produções. A própria imprensa, contextualizada na realidade cultural presente nos resultados do Programa Municipal de Incentivo a Cultura, também reflete o pouco interesse nos processos teatrais em desenvolvimento na cidade.
Mais uma vez uma Lei que serve muito pouco a quem realmente é do ofício. Enfim, não há políticas públicas que pensem no futuro do teatro em Uberlândia.
Pergunto-me: Onde estão os projetos aprovados no ano passado? (Atenho-me a falar apenas da área na qual experiencio e vivencio há mais de oito anos a fio em Uberlândia: O TEATRO) Alguém viu? Ouviu falar? Alguém conferiu? Como são vistas as modificações de elenco, diretores, equipe técnica e até propostas estéticas na execução dos projetos? Ué pode? Tanta burocracia! Pra quê pedem currículos em anexo? A Lei nº. 9.274, de 19 de julho de 2006, e o Decreto nº. 10.467, de 07de novembro de 2006 regulamentam no item 5.2.1.:
I b) “Capacidade gestora e de realização da equipe envolvida no projeto: Entende-se como potencial de realização da equipe a capacidade do Empreendedor e dos demais profissionais envolvidos de realizar, com êxito, o projeto proposto, comprovada por intermédio dos currículos, documentos e materiais apresentados.”
São incompreensíveis as razões que norteiam o pensamento de uma Lei que deveria existir para fomentar ou alimentar a arte local. Mas o que vemos são migalhas espalhadas por todos os lados. Haverá continuidade para estes “grupos” e produções contemplados agora? Qual a vantagem de programas desse tipo? Quantidade e não qualidade, o duelo eterno do falso capitalismo, porque capitalismo de verdade prevê o melhor do que se tem para competir no mercado. Será que a representação da Comissão de Avaliação e Seleção tem faltado à aula de história? Há quantos anos a sociologia, a ciência, a filosofia, a engenharia já descobriu que é preciso construir passo a passo bases sólidas para a formação humana e também para qualquer edifício concreto!!
Atrizes, atores, diretores, gestores culturais com grupos que já têm uma trajetória, uma estrada percorrida, um público em formação, uma dignidade adquirida por meio de muita ralação, muito suor, muitos erros e acertos não estão sendo contemplados. Temos reconhecimento-ZERO da nossa secretaria de cultura. Não fazemos teatro por hobby, não estamos estagnados no tempo e nem somos iniciantes. A Comissão de Avaliação e Seleção deve compreender que este é um momento importante para a sedimentação de grupos que já têm alguma trajetória e que precisam alçar vôos para se tornarem mais autônomos no futuro.
Viajamos o país com o peito cheio de orgulho representando Uberlândia por mais de sete estados. Contamos que Uberlândia fica no Triângulo Mineiro, região privilegiada por sua localização geográfica, que tem em torno de 600.000 habitantes, contamos do que já foi nosso festival de dança e no que está se transformando nossa Mostra Nacional de Teatro. Contamos da Universidade, do curso de TEATRO já com 12 anos e um corpo docente invejável que nos traz olhares cariocas, paulista, mineiros e franceses...
Hoje me envergonho de pertencer a um grupo da cidade de Uberlândia. No qual a Lei não reconhece a lucidez de nossos e tantos outros projetos. Há necessidades para continuarmos. Sinto um esfacelamento da vontade. Ao pedir uma explicação aos responsáveis, ouvimos que somos bastante esclarecidos, e somos capazes de conseguir recursos por outras fontes e que é preciso dar oportunidade para os novos. Coitados. A maneira como estão tratando a Lei é a de quem dá esmolas e a função dela não é essa. Se for então é preciso mudar a Lei. Li e reli o edital e não há um só lugar onde isso esteja escrito. Encontrei sim: exemplaridade da ação; potencial criativo; capacidade da equipe; efeito multiplicador; perspectivas de continuidade; aperfeiçoamento; favorecer o crescimento da bagagem técnica e do repertório de conhecimentos dos artistas, gestores, produtores e agentes culturais; estimular ações; pesquisa; benefícios concretos...
É uma fraude? Proponho a CPI da Lei Municipal. Acabará em pizza? Deixe-nos ter acesso aos projetos aprovados, aos argumentos e objetivos, aos currículos. Dêem a cara à tapa! Eu estou dando.
A não ser pelo público, pra que continuar representando nessa cidade?
“Não represento mais.”
Pra quem tem essa visão de mundo não mais.

Maria De Maria*



* Formada no curso de Artes Cênicas da Universidade Federal de Uberlândia atua como atriz e produtora no grupo Trupe de Truões, atualmente em trabalhos como o infanto-juvenil "Ali Babá" e o melodrama "A Maldição do Vale Negro".

22 de novembro de 2007

Bandos, Gritos e Sussurrossss...







S.
giacomelli





















G.
góis














































C.
machado




















R.
vaz






















G.
calegari

21 de novembro de 2007

Índice


Desinência verbal. Saber de cor uma infinidades de combinações soltas... sem nenhum contato mais terno com a língua. A coisa vinha assim de solavanco. Entrando com tudo que nem copo d’água fazia desentalar.
Acho que hoje eu falo e penso e escrevo também pelo tanto que li. Ou lia... faz tempo que não namoro com um livro. Deitar na rede e dormir quando a história ficasse chata. É tão perigoso falar de memórias de leitor porque tendemos sempre a romancear as coisas. Eu nunca deitei em rede pra ler. Deitava na cama no sofá, mas nunca em rede. Dormir eu sempre dormia. Mas sempre depois de vencer as páginas que tinha me proposto a vencer naquele dia.
Assim li desde pequeno. Minha mãe me facilitou o encontro com os livros quando fiz a primeira bomba caseira. Depois disso ficou fácil estudar o poder da pólvora. Mistura de carvão, enxofre e nitrato de potássio, é considerada um "baixo explosivo", porque só explode se estiver comprimida (do contrário ela apenas queima). Sua explosão é suficiente para empurrar a bala pelo cano de um revólver, mas não para explodi-lo. Brinquei muito com pólvora.
Depois experimentei as bananas de dinamite. Passei para o TNT, trabalhei com o PETN e hoje preparei uma surpresa de C4, um explosivo plástico maleável que pode ser preso a qualquer coisa.
Só explode com a ajuda de um detonador.
Bem embaixo da cadeira. De cada um.

Saco. Esqueci de trazer comigo um exemplar do Alcorão que eu ganhei de Natal. Vai que de repente tem algum judeu na viagem.




FAHRENHEIT 451 - FRANÇOIS TRUFFAUT

A existência de uma biblioteca secreta era conhecida nas mais altas esferas... mas não havia maneira de a encontrar. Apenas uma vez vi tantos livros juntos em um único lugar. Eu era um simples bombeiro na época. Nem era qualificado para usar o lança-chamas.É tudo nosso, Montag.
Ouça me, Montag. Cada bombeiro, pelo menos uma vez na sua carreira tem muita vontade de saber o que tem nos livros. Até dois de querer saber. Não é verdade?
Acredite em mim, Montag. Não tem nada. Os livros não tem nada a dizer. Olhe, estes são todos romances. Todos sobre pessoas que nunca existiram. As pessoas que os lêem tornam-se infelizes com suas vidas. Faz com que elas queiram viver de uma maneira quase impossível.
Vamos lá, Montag. Toda essa filosofia, vamos nos livrar dela. É ainda pior que os romances.
Pensadores, filósofos, todos dizem exatamente a mesma coisa. “Eu é que tenho razão. Todos os outros são idiotas.” Em um século dizem que o destino do Homem está pré-definido. No seguinte, dizem que tem liberdade de escolha. Não passa de uma moda, só isso. Filosofia. Tal qual vestidos curtos neste ano, vestidos cumpridos no próximo.
Olhe. Todas essas histórias sobre os mortos. Chama-se biografia. E auto-biografia. A minha vida. O meu diário. As minhas memórias. As minhas memórias íntimas. Claro que, quando começaram, era apenas uma vontade de escrever. Depois, após o segundo livro, queriam apenas satisfazer a sua vaidade. Destacar-se no meio da multidão, ser diferente. Poder olhar para os outros como se estivesse num pedestal.
Ah! Um premiado pelos críticos. Este é um dos bons. Claro que tinha os críticos do lado dele. Muito sortudo.
Diga-me uma coisa, Montag. Quantos prêmios literários foram dados neste país, em média por ano? 5? 10? 40? Nada menos que 1.200. Qualquer um que escrevesse qualquer coisa estava destinado a ganhar um prêmio.
Robinson Crusoé. Negros não gostavam dele por causa do Sexta-feira.
E Niestzsche? O judeus não gostavam do Niestzsche.
Agora aqui está um livro sobre câncer de pulmão. Todos os fumantes entraram em pânico e por isso e pela paz de espírito, nós o queimaremos.
Agora este deve ser muito profundo. A Ética de Aristóteles. Qualquer um que tenha lido acredita que está acima de quem não o leu. Você vê, não é nada bom, Montag. Todos temos de ser semelhantes.
A única maneira de sermos felizes é se todos formos iguais. Por isso temos que queimar os livros, Montag. Todos os livros.



Eu não perdi a sensibilidade de alma, perdi? É porque faz tanto tempo que não vejo uma coisa bonita que me faz calar...Não! Estou sendo injusto. Aconteceu meu primo nasceu que de tão novo e eu já velho virei padrinho.

Fausto vestiu sua capa para sair numa noite sozinho.

18 de outubro de 2007

PROPOSTAS PARA O INÍCIO DE UMA PRÁTICA COLETIVA

Coletivo sugere coletividade, conjunto, agrupamento, grupo, bando. É antônimo de individual, o que significa que não é pessoal, particular, singular. Ao mesmo tempo em que é múltiplo de individualidades - que se atritam e se atraem, que se moldam e se acomodam cada uma nas quinas e cantos das outras, se encaixando e deixando encaixar, se completando e complementando. O coletivo consiste, então, em um mosaico de individualidades constituindo-se como expressão de uma identidade comum.

Proponho que adotemos a prática da Criação Coletiva nesse novo processo que iniciamos, mesmo como desafio para descobrirmos novos caminhos de criação artística dentro do Bando Grito, levando em conta, também, procedimentos do Processo Colaborativo, mas utilizando os mesmos no coletivismo.

Os processos colaborativos, embora estejam associados à prática de um teatro contínuo, geralmente ligada ao trabalho de um grupo ou companhia, não se constitui como expressão de uma identidade comum, mas como contraposição e justaposição de diversidades individuais em que o elo comum e o fio condutor é o espetáculo. Na criação coletiva, o grupo em geral é anterior ao projeto, já está reunido quando trata de se colocar a pergunta “o que faremos”, ao passo que os espetáculos produzidos em processo colaborativo nascem de um projeto pessoal do diretor, que reúne a partir de então a equipe que necessita para empreender a criação. (...)

A constituição de um grupo que, com a experiência de diversos processos, tem a oportunidade de amadurecer suas relações pessoais e artísticas e sua intimidade criativa, se apresenta como um terreno propício ao exercício da autoria coletiva.[1]

No trabalho de criação coletiva (pelo menos idealizadamente) as funções especializadas não apenas se dissolvem entre os criadores, mas misturam-se numa massa homogênea onde é impossível identificar qualquer ingrediente. Todos os atores são responsáveis pela criação do espetáculo e de seus diversos elementos – encenação, dramaturgia, cenografia, iluminação, figurino, sonoplastia, produção, divulgação, etc – e o papel do diretor não é definitivamente excluído, mas absorvido pelo coletivo. O coletivo é, assim, quem atua, cria, dirige, sugere e decide tudo.

(...)quanto menor a afinidade e a experiência do coletivo, maior a necessidade de centralização do processo na figura do diretor. (...)quanto mais efetivos os elos que ligam os integrantes ao grupo e sua proposta – principalmente no que diz respeito a um entendimento comum da concepção que se coloca em prática e a um vocabulário cênico gerado por experiências anteriores – maior a possibilidade de autonomia desses artistas. Nesse sentido, o coletivo não se instaura pela simples reunião de indivíduos dedicados a um mesmo projeto, mas depende da construção de uma “cultura de grupo” baseada em uma subjetividade coletiva.[2]

Dessas necessidades notórias é que surgem as primeiras dificuldades para se criar coletivamente. Lidar com o coletivo exige uma identidade entre os participantes, além de afinidade, compromisso, generosidade e desprendimento. Essas duas características finais mais voltadas para o passo inicial da criação, a etapa de Livre Exploração e Investigação destacada por Antônio Araújo em seu Processo Colaborativo dentro do Teatro da Vertigem.

Proponho, então, que iniciemos nosso processo inseridos numa prática coletiva, mas tomando por base , também, algumas práticas adotadas por companhias que se utilizam do processo colaborativo como forma de nos organizar e orientar para podermos trabalhar com maior objetividade.

Posto isso, gostaria de apontar as etapas constituintes de um processo colaborativo, pelo menos como nós [o Teatro da Vertigem] o praticamos. Poderíamos destacar três grandes momentos, a saber:

1. Etapa de Livre Exploração e Investigação: em que as questões centrais do projeto são estudadas, improvisadas, e experimentadas, com o objetivo de mapear o campo da pesquisa, levando à identificação de parâmetros e possibilidades. Aqui é onde se dá, fundamentalmente, o levantamento do material cênico;

2. Etapa de Estruturação Dramatúrgica: em que ocorre a seleção do que foi levantado, visando à criação de partituras de ação, esboços de cena e, em seguida, à roteirização propriamente dita. Essa etapa pressupõe o estabelecimento de, pelo menos, uma primeira versão do texto;

3. Etapa de Estruturação do Espetáculo e de Aprofundamento interpretativo: em que a escrita da cena passa a ocupar o centro das preocupações, tanto no que diz respeito às marcações, ao espaço cênico, ao tratamento visual e sonoro, quanto ao aprimoramento do trabalho do ator. O aspecto dramatúrgico continua a ser desenvolvido aqui, enquanto lapidação e acabamento, porém como um foco secundário.[3]

Por enquanto atenho-me à primeira etapa, a etapa primordial. As primeiras decisões se refletirão em toda a futura criação do espetáculo. É o impulso inicial. Aquele momento em que respiramos fundo e nos perguntamos “o que faremos”, além de tantas outras perguntas “por que”, “pra que”, “como”, “onde”, “quando”, “quanto”.

Um dos primeiros passos tomados por Pina Bausch na criação de uma obra é a elaboração de perguntas ou palavras-chave associadas ao tema principal do trabalho, que servirão como molas propulsoras da criação.[4]

No nosso caso temos que nos perguntar também “qual é o nosso tema principal”. Ainda não temos respostas. Estamos partindo do zero; partindo de nós mesmos; de nossas questões, das mais superficiais às mais profundas; de nossas urgências e necessidades; ou até mesmo do nada, do caos, do agora, do instante efêmero, daquilo que surge de repente e nos inspira, nos eleva, nos derruba, nos faz pensar, nos faz dançar, nos faz falar sem parar, nos faz dar “pala”.

Proponho, então, que começamos por nos perguntar, nos examinar, nos interrogar para criarmos questões a serem resolvidas. Em segundo lugar proponho que essas questões sejam resolvidas, tanto individualmente quando em conjunto, em cena. Toda resposta, proposta, ou solução deverá ser dada em forma de cena. Prática essa intitulada de Workshop por criadores do processo colaborativo, e livremente apelidada pelo Bando de Pala Criativa.

No Teatro da Vertigem, o Workshop é a mais efetiva expressão autoral dos atores (...). Denominamos Workshop uma cena criada pelo ator em resposta a uma pergunta ou um tema lançado em sala de ensaio. (...) Workshop é uma fase ativa de pesquisa no processo de criação da performance, em que o artista tem liberdade de explorar diversas possibilidades em ensaios. É o espaço de experimentação por excelência, em que se chega a produção de protótipos.[5]

Acredito que, de certa forma, já iniciamos nosso processo apontando, inconscientemente, porém conscientes (rs), a criação para um formato que cedo ou tarde tenderia para essa via autoral. Esses primeiros encontros em que cada membro guiará e mostrará para os demais por onde passeia seus desejos e pensamentos em relação ao Bando e à criação artística é já uma espécie de Workshop, ou Pala Criativa, onde surgirão perguntas, respostas, caminhos, setas, indicações que poderemos seguir ou não. Por algum tempo estivemos distantes uns dos outros, alguns mais, outros menos, outros mais ainda. Mas o que me parece é que, como na primeira versão da performance “Enquanto eles não saírem eles estão lá dentro”, passamos apenas por um momento em que todos estivemos mergulhados em nós mesmos olhando pra fora e agora nos voltamos para contar uns aos outros o que vimos. É esse o momento de nos atritar, pra esquentar e pra nos lascarmos uns aos outros criando brechas e encaixes, estamos na Era da Pedra Lascada, ainda faremos fogo em palha seca. Assim espero eu. E que assim seja. Amém e Leftalominai.

Samuel Giacomelli



[1] Trotta, Rosyane. Autoralidade, grupo e encenação. Revista Sala Preta. ECA-USP. Pg. 158 e 159.

[2] Idem, Ibidem. Pg. 159.

[3] ARAÚJO, ANTÔNIO. O processo colaborativo no teatro da vertigem. Revista Sala Preta. ECA-USP. Pg. 131.

[4] RINALDI, MIRIAM. O Ator no processo colaborativo do Teatro da Vertigem. Revista Sala Preta. ECA-USP. Pg. 137.

[5] ARAÚJO, ANTÔNIO. O processo colaborativo no teatro da vertigem. Revista Sala Preta. ECA-USP. Pg. 136.

27 de agosto de 2007

Poema Final

Às vezes finjo fazer de conta que sou poeta
A um rabisco me empresto e saio a dançar
Pisando nos cacos, tapando o ouvido

...que é o ruído do chão rachando que me dói.

E escondida a dor de mim, me vejo sorrindo,
Fingindo, é claro, ser poeta.


E posso chegar perto se você quiser
E não me atrevo a duas linhas rabiscar tua presença.
Posso chegar perto, mas não vou tocar.
Tenho medo de ferir, tenho medo de quebrar

...que é o barulho do mundo quebrando que me dói.

E evitada a dor por mim, me vejo feliz
Fingindo, é claro, ser poeta.


Inda fingindo me ver brincar de poeta
Procuro passos no azulejo do banheiro e vou guardando
Juntando os pedaços das palavras caídas.
Penso ser fácil fugir depois que elas escaparam de mim

...que é o som das palavras caindo que me dói.

E impedida a dor em mim, me vejo partindo.
Fingindo, é claro, ser poeta.


O mais tardar escrevo um livro e publico
Com aquele soneto velho que deixei no lençol da cama
Pra que você poeta pudesse acordar
E perceber que o sonho continuava mesmo sem você

...que é o silencio do sonho acabando que me dói.

E refeita a dor por mim, me vejo acordado.
Fingindo, é claro, ser poeta.


Uma parte minha já não faz questão de ser,
Uma outra ainda não apareceu,
Mas essa que se diz poeta está perdida entre a entrada e a saída
E sempre evita se encontrar

...que é o grito da porta fechando que me dói.

E perdida a dor de mim, me vejo perdido.
Fingindo, é claro, ser poeta.


(Samuel Giacomelli e Cássio Machado)