Às vezes finjo fazer de conta que sou poeta
A um rabisco me empresto e saio a dançar
Pisando nos cacos, tapando o ouvido
E escondida a dor de mim, me vejo sorrindo,
Fingindo, é claro, ser poeta.
E posso chegar perto se você quiser
E não me atrevo a duas linhas rabiscar tua presença.
Posso chegar perto, mas não vou tocar.
Tenho medo de ferir, tenho medo de quebrar
E evitada a dor por mim, me vejo feliz
Fingindo, é claro, ser poeta.
Inda fingindo me ver brincar de poeta
Procuro passos no azulejo do banheiro e vou guardando
Juntando os pedaços das palavras caídas.
Penso ser fácil fugir depois que elas escaparam de mim
E impedida a dor em mim, me vejo partindo.
Fingindo, é claro, ser poeta.
O mais tardar escrevo um livro e publico
Com aquele soneto velho que deixei no lençol da cama
Pra que você poeta pudesse acordar
E perceber que o sonho continuava mesmo sem você
E refeita a dor por mim, me vejo acordado.
Fingindo, é claro, ser poeta.
Uma parte minha já não faz questão de ser,
Uma outra ainda não apareceu,
Mas essa que se diz poeta está perdida entre a entrada e a saída
E sempre evita se encontrar
E perdida a dor de mim, me vejo perdido.
Fingindo, é claro, ser poeta.
(Samuel Giacomelli e Cássio Machado)