“Gente de Teatro” para gente*
por Daniela Reis
Para quem é apreciador da arte teatral, o curso de Teatro da Universidade Federal de Uberlândia apresenta o projeto “Gente de Teatro”, cuja proposta consiste em apresentações da produção do curso e de outros artistas da cidade. As apresentações são realizadas todas as sextas-feiras e sábados no final da tarde antecipadas por exposições, videodebates e leituras dramáticas, também com um momento para o intercâmbio e reflexão sobre a arte. O diferencial do projeto é que os espetáculos ganham espaço para temporada, revelando-se um grande incentivo para as produções locais, já que na cidade os espaços e iniciativas públicas no setor são insuficientes.A agenda de “Gente de Teatro” acompanha o calendário da universidade e, dessa forma, o evento segue até o fim de semana com a peça “A Cômoda”, retornando às atividades no mês de março. A peça em cartaz, cujo título na íntegra é “A Cômoda: como dividir uma cômoda de cinco gavetas entre duas pessoas numa separação”, é apresentada pelo grupo Bando Grito e retrata o drama de todos os mortais que já passaram pela experiência da famosa “dor-de-cotovelo”. A temática do amor é retratada intencionalmente de maneira debochada, com todos os clichês desse sentimento inerente às relações humanas. Aliás, a irreverência é a marca deste grupo teatral composto por alunos e ex-alunos do curso.Com apenas um ator em cena, a peça circula entre os jogos possíveis de amor, drama e humor, fala dos paradoxos da paixão sem cair na obviedade, brinca com os clichês e põe em cena um amor debochado, engraçado chegando ao ridículo. De início, o texto é marcado por um tom sério tocando no drama de quem já passou pelas questões que envolvem uma relação a dois: cumplicidade, distanciamento, separação, indignação, ciúme, solidão. Mas vai ficando leve até atingir o cômico na medida em que ridiculariza a situação vivenciada pelo personagem. Quem é que nunca se pegou em situações esdrúxulas como as apresentadas na peça? Também, e talvez por isso, a identificação do público e a vontade do riso ficam evidentes. O grupo optou por recursos cênicos simples onde os signos teatrais são reforçados por todos os elementos que perpassam a cena. O cenário é composto unicamente por uma cômoda branca de cinco gavetas onde são retirados recordações e objetos compartilhados pelo casal: discos LP, livros, fita K7 e VHS, porta-retrato, fotografias, tranqueiras que representam tudo o que sobrou de 15 anos de uma relação. As cinco gavetas se desdobram, assim como o conflito interno do personagem. No chão foram usados cacos de azulejos, simbolizando os cacos emocionais na quebra de um relacionamento.A trilha sonora intensifica a dor passional do personagem valendo-se de versos como “você mentiu quando jurava para mim fidelidade / você feriu sentimentos que a ti eu dediquei” na versão cortante de Matogrosso & Mathias e outras saudosas músicas de Roberto Carlos. A peça também brinca com uma ótica erótica ressaltada pelo figurino, o personagem solitário se desnuda por meio de um avental de frente única, usa cueca vermelha e ainda contracena com uma colher de pau recheada de brigadeiro, efetuando maliciosas lambidas e provocando sentidos dúbios e risos na platéia. Na atuação de Getúlio Góis, o corpo é valorizado no processo interpretativo. O ator chega a interpretar três personagens em uma mesma cena e é por meio de um tônus muscular diferenciado que os personagens se apresentam na cena.Grande parte do texto foi escrita pelo diretor e também integrante do grupo Samuel Giacomelli, que utilizou recortes textuais e analogias apropriando-se de poemas próprios e de outras autorias para a construção de uma narrativa não linear. Apesar da brincadeira e alusões a uma dor cômica, a peça coloca questões presentes do conflito interno do ser humano: “Uma parte minha já não faz questão de ser / Uma outra ainda não apareceu/ Mas essa que se diz poeta está perdida entre a entrada e a saída / E sempre evita se encontrar”.Entre vários outros, o grande mérito da peça está justamente em saber apresentar de maneira leve, porém profunda, questões que perpassam o indivíduo e conseqüentemente parte do universo humano. Felicitações ao grupo pela brilhante atuação e pesquisa cênica. Congratulações também ao curso de Teatro pela iniciativa e estímulo à arte teatral. E ao público cabe prestigiar e aplaudir essa “Gente de Teatro”!
Um bumbum de fora nem in-cômoda!**
Por Emiliano Freitas
Ouvi três vezes a mesma pergunta, ao convidar três pessoas diferentes para ir ao teatro na Universidade Federal de Uberlândia nesse fim-de-semana. Quantos preconceitos com o teatro universitário! Tentei livrar minha mente do “não vi e já sei o que vai acontecer”, sem achar que toda peça ali tem bumbuns de fora, voz empostada, black-outs (ao som de uma voz sombria em off), corpos retorcendo e mais um monte de lugares-comuns acadêmicos.
E para o meu espanto, no solo Cômoda – Como dividir uma cômoda de cinco gavetas em uma separação (concorrente ao prêmio Bacante de maior nome de peça em 2008), tinha tudo isso com um toque de irreverência, já visto em performances do Bando Grito, o que acabou virando uma especialidade do grupo formado por alunos (e ex-alunos) do curso de Teatro da UFU. Mas o que essa peça tem que as outras universitárias-uberlandenses não têm? Uma pitada de ousadia. Resolveram fazer teatro com as próprias mãos, sem nenhum professor PHD dando pitacos sobre realismo pós-contemporâneo, nem leis de incentivo ou programas de extensão patrocinando cada passo. Quebraram a regra de montar os clássicos e partiram para uma dramaturgia própria, recheada de referências pop, misturando Oswaldo Montenegro, Fernanda Young, Jorge Furtado, Friends, King Kong e Orkut, à trama da separação de um homem e a sua parceira.
Ao dividir os bens que ocupavam a mesma gaveta durante algum tempo, Getúlio Góes, encara um indie de calça xadrez e all-star branco, e mostra a fragilidade de mesmo sabendo o porquê de sua separação, finge que as respostas às suas perguntas não existem. O “isso é meu” e o “isso é seu”, é o resultado de uma escolha da parceira após um jantar, levando-o a infantilidades, como fazer cena e comer uma panela inteira de brigadeiro, lembrando o quanto a vida nos condiciona a ter uma terceira (e até uma quarta) mão, e o quanto às vezes essa própria terceira mão condiciona a sua repulsão.
No meio da divisão dos bens que estão dentro da tal cômoda, entre gracejos e caras e bocas, o ator tira uma fita K7 e um toca-fitas, dando início ao que poderia ser um dos momentos mais poéticos do solo. Ao acionar o play, o que se escuta é um bolero-sertanejo (seria do Teodoro & Sampaio ou Milionário & José Rico?) quebrando o clima indie do início do espetáculo. O melodrama de um homem apaixonado que assume a posição de perdedor é interrompido por uma sessão de expressão corporal com uma nota de 100 reais, ao som de uma canção carioca antiga e triste, com o chiado do disco de vinil que ficou na gravação, como em qualquer outra peça universitária. E o momento homem perdedor é apagado, junto com a música do toca-fitas.
A diversão do espetáculo fica por conta de uma voz em off acompanhada em tempo integral por um black-out (seria preconceito achar que o black-out acompanhado de off seria um efeito usado quando não se sabe como realizar transições de cenas?). É divulgada então uma séria de pesquisas feitas pelo Instituto Brasileiro de Geografia Bando Grito, como quantas pessoas acham que os pintos das estátuas gregas eram pequenos, ou por quais personagens de desenhos animados os entrevistados sentiam mais tesão.
Em certas horas, a irreverência do grupo dá espaço a um didatismo cênico, reforçando em texto o que a platéia já viu em ação ou imagem, como na explicação na voz em off que o chão está desabando (quando na verdade o público deveria ter o prazer de ler o signo proposto pelo cenário coberto de pedaços de ladrilhos de cerâmica no início do espetáculo), ou quanto o ator explica com gracinhas seu contorcionismo cênico. Seria uma tentativa de serem compreendidos, o que nem sempre acontece em performances?
Após contar uma fábula, o ator encerra a peça perguntando então que escolha se deve tomar em determinadas circunstâncias, no caso a separação. Se fosse uma escolha teatral, eu diria que a de gritar em bando (mesmo que o resultado seja um monólogo) é corajosa.
19 pessoas na platéia sentiram tesão por um avental.
* Crítica publicada no Jornal Correio de Uberlândia em 25/01/2008. Disponivel no endereço: http://www.correiodeuberlandia.com.br/coluna/2008/01/NEHAC/54/nehac.html
**Crítica publicada na Revista Virtual de Teatro Bacante no endereço: http://www.bacante.com.br/revista/critica/comoda-como-dividir-uma-comoda-de-cinco-gavetas-em-uma-separacao
3 comentários:
é... algumas parcas vezes, somente quem faz tem a noção holistica do que se fez. Do como, dos porques e das indagaçoes outras que - não - fazemos. (...) e sobre o nu... porque isso ainda incomoda tanto, pessoas tao cultas? Freud explica? ou ja podemos nos tomar de pensadores contemporaneos como Getulio Goes e toda uma nova linhagem de filosofos da cena em nossa propria cidade? Quem sao os contemporaneos da arte? se somos nós, é melhor que nos estudemos a nós mesmos.
bravo.
li, treli, tem sustância o disparate.
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semelokertes marchimundui
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